JUNIOR Borneli

Para o fundador da StartSe, maior ecossistema de conexão de startups a mentores e investidores do Brasil, com filiais nos EUA e na China, a educação do futuro será focada mais em habilidades e a inteligência artificial terá um papel fundamental nesse processo.

foto: Divulgação/StartSe

Em entrevista exclusiva, Borneli revela como esse novo método de aprendizado vai funcionar.

A história do aperfeiçoamento da Educação mostra que uma tecnologia inovadora gera impactos que requerem uma análise sobre a maneira como ela transforma as nossas vidas. Como vemos, as novas gerações dominam a Internet desde pequenos, e apresentam uma facilidade incrível no manuseio de tablets, smartphones e games. Agora, avalie: será que toda essa exibição contínua à alta tecnologia não mudará o jeito como elas pensam e aprendem? Aqui entra em ação o que pesquisadores de diferentes partes do mundo chamam de Educação 3.0.

Como o senhor define a Educação 3.0? Qual a diferença entre essa e a educação tradicional?
Bom, a StartSe não é uma instituição especialista em educação, apesar de que, no ano passado, nós vencemos o Prêmio de Empresa Mais Inovadora na Área de Educação, durante a 5ª Edição do Fórum Lide de Educação e Inovação, concedido pelo Lide Educação e com o apoio do Instituto Ayrton Senna, o que nos deixou muito felizes. Essa história de Educação 3.0 é o aprendizado do futuro que valoriza o conhecimento por meio de habilidades e prepara os alunos para o mundo de hoje e de amanhã. As pessoas precisam se capacitar para exercer atividades que não existiam há cinco anos e novas, que vão surgir com o tempo. O aprendizado precisa ser mais dinâmico. Hoje, a maioria das escolas ainda pratica o ensino tradicional, o que não deixa de ser importante, porque nos dá uma base cultural e social. Mas, é indispensável que, de agora em diante, nós aprendamos sobre o futuro.

Considerando que cada aluno possui uma habilidade diferente, como o educador vai conciliar isso?
A tecnologia vai nos ajudar. A inteligência artificial consegue utilizar e analisar dados em uma velocidade maior do que o ser humano é capaz. Quando as escolas adotarem esse método para entender as habilidades e o perfil de cada aluno, o próprio robô vai criar a trilha de conhecimento ideal de acordo com os objetivos.

Quais são as habilidades do futuro?
Acredito que estejam ligadas à questão socioemocional. Os alunos precisarão desenvolver competências indispensáveis para o novo mundo do trabalho: busca de ideias, curiosidades e pensamentos rápidos, que aprendem fora do estabelecimento de ensino.
Qual será o desafio das escolas e universidades? O grande ponto é como fazer com que as escolas e universidades continuem relevantes, se todo o conhecimento está disponível na palma da mão das pessoas? O grande desafio é pensar em como trazer uma criança para a sala de aula, com um quadro à frente, se, em casa, ela tem estímulos sensacionais. As crianças de hoje em dia já nascem com DNA digital. Como retiro a criança de algo tão atrativo, com tanta informação como um tablet, um computador, e a coloco em uma sala de aula com quadro-negro, pincel, livro? É um grande desafio entender como se oferecem estímulos corretos.

Essa escola será online, com algumas aulas presenciais do mentor?
Essas ainda são grandes questões. O Ensino A Distância – EAD, durante muito tempo, foi banalizado. Diziam que quem se formava no EAD era pior, o ensino era de má qualidade. Por outro lado, o EAD levou a educação para muitas pessoas que não tinham acesso a ela. Assim, apresenta dados positivos e negativos. Quando se estuda mais profundamente, se lê o que está acontecendo no mundo afora, percebe-se que ainda não existe um consenso sobre o que é melhor na educação, se a online ou off line, ou mista. O que se sabe é que já se chegou a algum consenso. Por exemplo, o celular deve ser usado como forma de apoio para o que o professor está ensinando, de buscar uma nova leitura, uma nova visão sobre aquele mesmo tema, utilizando a tecnologia para tornar a sala de aula mais próxima dessa geração que já nasceu digital.

Como se faria essa socialização?
Esse é um dos principais desafios, pois já existem alguns estudos demonstrando que as crianças que utilizam celular muito cedo têm maior tendência à depressão e mais dificuldade de convívio social. Isso é o efeito colateral do benefício que a tecnologia traz. Eu não apostaria em qual é o modelo ideal. Mas tenho quase certeza de que a educação por habilidades e competências talvez tenha mais chances de ser a escola do futuro. Acho importante rever alguns conceitos, pois se ensinam tantas coisas que talvez não façam mais sentido para o mundo de hoje. Precisamos desenhar esse modelo de escola do futuro juntos.

Quando isso será realmente aplicado? Esse futuro está muito próximo?
No Brasil, a Escola Eleva, no Rio de Janeiro, conta com investimentos de Jorge Paulo Lemann e outras pessoas do grupo dele, já é uma escola voltada só para habilidades. É um futuro que, para nós, pode demorar um pouquinho para chegar, mas que já está acontecendo. Fala-se muito sobre a escola do futuro, a sala de aula do futuro e em como aplicar essa tecnologia, como se a escola do futuro fosse apenas colocar um computador na mesa de cada aluno. Na verdade, se esquece de que a tecnologia é só a ferramenta, ela sozinha não muda nada, em lugar nenhum. A grande mudança está no modelo mental. Se os professores não estiverem adaptados ao novo formato, não forem formados para utilizar a tecnologia para melhorar o processo de aprendizado, isso não vai funcionar. Continuará do mesmo jeito. Da mesma forma que uma grande empresa pode adotar robôs, inteligência artificial, realidade virtual, mas, se o mindset do presidente, dos diretores, das pessoas que trabalham na empresa não for diferente, obterão os mesmos resultados, ainda que usem tecnologias avançadíssimas.

Com esse novo método de ensino, o senhor considera irrelevante as crianças irem à escola, ou os jovens cursarem faculdade?
Todo esse movimento que indicamos, essa fase, nada tem a ver com dizer para as pessoas que “não estudem, não vão fazer faculdade, não vão para a escola”, nada disso. Meus filhos estão na escola. Outra coisa é desejar, sonhar, idealizar e trabalhar para que a escola seja diferente e adequada ao momento que vivemos hoje. Os professores vão continuar sendo superimportantes e relevantes, só que de um jeito diferente. Seu papel será ainda mais importante: será guiar os alunos pelo caminho que eles escolherem.

O que você diria a um jovem que não quer cursar faculdade?
Vou lhe dar o exemplo do meu filho, que tem 11 anos. Nas conversas sobre “o que vai ser quando crescer”, ele disse: quando crescer, quero ser médico. E, me escutando falar sobre futuro, robôs etc., perguntou: “Então quer dizer que não vou poder ser médico?” Eu respondi: “Não é isso. Você tem de querer ser médico. Você tem de desejar ser um médico que utiliza a tecnologia para atender não só dez, 15 pacientes por dia, mas para criar uma solução que ajude milhares de pessoas”. Há médicos que utilizam a robótica para gerar resultados muito melhores e menos invasivos aos pacientes. As profissões só vão deixar de existir, ou o profissional só vai perder seu emprego, se ele encarar a tecnologia como uma ameaça, e não como uma oportunidade. Em um dos eventos que fizemos para a área de saúde, uma empreendedora brasileira mostrou uma solução. Ela conseguiu criar um dispositivo, do tamanho de um aparelho auditivo, bem pequeno, que consegue identificar, com 25 minutos de antecedência e 95% de certeza, quando a pessoa vai ter um ataque epilético. O indivíduo que sofre de epilepsia recebe uma notificação no celular que a família e o médico também recebem: “você tem 95% de chance de, em 25 minutos, ter uma convulsão”. Se a pessoa estiver dirigindo, ela pode parar o carro; se estiver na piscina, tem tempo para sair, enfim, ela pode se cuidar. E a empreendedora que criou esse dispositivo não é médica. Ao final do evento, um médico que estava assistindo, encantado, nos disse que chegou à conclusão de que o que ele estava fazendo não era medicina, porque atendia dez, 15 pacientes por dia, gerando benefícios para poucos, e o impacto que causava não era lá muita coisa. E essa empreendedora, que não é médica, está criando uma solução, usando a tecnologia para resolver um problema de saúde que vai melhorar a vida de milhões de pessoas. Isso é medicina.

Junior no evento Audaz, realizado pela StartSe em 6 de dezembro do ano passado, em São Paulo | foto: Divulgação/StartSe

E as pessoas?
Esses processos são cíclicos. A Revolução Industrial deve ter suscitado essa mesma pergunta. As pessoas com um foguinho fazendo panela, batendo com martelinho; depois a prensa fazendo a panela sozinha… Fico pensando no condutor de charrete lá em 1900, quando apareceu o primeiro carro. Ele deve ter ficado preocupado também. Essas ondas de evolução são periódicas, sempre acontecem. Quando acontecerem, mais pessoas ficarão desempregadas, mas muita gente vai ter acesso aos novos empregos que surgirão. Hoje, no mundo, devem existir mais 350 milhões de desempregados. A tendência, até 2030, com o surgimento de novas profissões e novas tecnologias, é que esse número
chegue a 800 milhões. Só que, desses 800 milhões, 300 milhões vão conseguir se capacitar para trabalhar nas novas profissões. O saldo ficará meio desequilibrado, de 350 para 500 milhões, mas, com o tempo, isso se ajusta. Algumas pessoas vão perder o emprego, porém muitas ganharão emprego aprendendo outras habilidades.

A futurista Rosa Alegria que entrevistamos, disse que, no futuro, vamos ganhar menos, nos contentar com menos, e ter uma vida melhor, pois nós não chegamos até aqui para viver essa loucura.
Cristiano da Olívia, que tem uma empresa de inteligência artificial, afirma: as máquinas vão nos ajudar a voltar a ser humanos. Com o avanço da tecnologia, as pessoas vão poder parar de fazer esses trabalhos que podem ser feitos por um robô, e se dedicar a outras atividades que hoje o trabalho lhes tira.

O grande desafio é as pessoas entenderem isso: voltem a ser humanos?
Nós estamos fazendo o trabalho de máquinas, na maioria das vezes. Imagine que isso acontece em todos os lugares. Já viu uma lavoura de soja? O trator vem em linha reta, chega ao fim da plantação e volta, vem recolhendo e plantando. Não precisa de uma pessoa ali oito horas por dia. A máquina faz isso sozinha. Esse tipo de atividade, que não exige das pessoas, das suas melhores habilidades, vai deixar de existir.

EdTech Conference aconteceu em São Paulo, no dia 18 de abril do ano passado | foto: Divulgação/StartSe

Há quase quatro anos, a StartSe, com sede em SP, aposta no ecossistema de startups por meio de um portal com vídeo-aulas, e-books, cursos, eventos e conexões com investidores e mentores.

Quais os investimentos para 2019?
Vamos investir cada vez mais na formação individualizada das pessoas que se relacionam conosco. O nosso próprio nome, StartSe, é uma provocação, que quer dizer para você recomece, transforme-se, inicie-se. Percebemos, ao longo desse tempo, que muitas pessoas que passaram por aqui recomeçaram, porque conseguiram enxergar novas oportunidades nesse mundo novo que se abre diante delas, proporcionado pela tecnologia. Estamos investindo para aumentar nossa capacidade de criar recomeços e mostrar às pessoas que elas podem fazer mais e melhor do que faziam. Que a educação focada nas habilidades, nas necessidades, nas soluções dos problemas, pode ser a chave para mudar não só suas vidas, mas também a realidade da comunidade em que vivem, o nosso País, enfim, quem sabe até mais. Para isso, estamos ampliando as ações que fizemos pelo Brasil por intermédio de eventos, em várias áreas, que é uma sequência de um projeto piloto realizado no ano passado, chamado StartSe Partners, com o intuito de ter polos por todo o Brasil. Fizemos algumas experiências em Recife, Rio Grande do Sul e Paraná, foram muito legais e agora queremos levar um pedacinho da StartSe para cada canto do Brasil e ampliar as nossas ações nos EUA e na China.

Como é a sua rotina na StartSe?
Eu cuido da parte comercial. Meu papel é conciliar todos os nossos produtos, entender quais são os que têm mais chances de sucesso e executar todos, independentemente do tamanho de grandeza. Eu também crio todos os produtos que desenvolvemos, além da parte de venda quanto à geração de receita. Chego aqui às oito horas da manhã, fico sete, oito horas, fins de semana, o tempo todo pensando em como podemos evoluir. Acho que, com uma empresa que nasceu como nós, no interior, e que em três anos e meio chegou aos EUA, China, aprendemos o melhor: que não existem limites para fazer aquilo em que acreditamos. E só conseguimos fazer isso com um time de pessoas que também acredita nesse sonho e que toma os riscos. Quando contratamos uma pessoa, não queremos contratar um funcionário. Queremos um empreendedor. Nós começamos com dois sócios e hoje temos quase 70 pessoas e 21 filiados. E todos participam dos lucros reais. Se você fez a empresa ser melhor, então também tem de pegar um pedacinho disso.

E qual foi sua dor para criar a StartSe?
A necessidade e a dificuldade de empreender. A partir dessa necessidade de resolver um problema meu, de ganhar dinheiro, de ter sucesso, de fazer as coisas acontecerem, comecei a empreender. Mas, pensei, como vou empreender no interior sem dinheiro, sem conexões e sem conhecer ninguém? Só criando soluções que possam ajudar outras pessoas que vivem esse mesmo problema e me conectando com pessoas boas. Mas a principal dor foi conseguir entender que eu conseguia fazer mais e melhor do que eu estava fazendo na minha vida. E o melhor jeito de mudá-la foi, claro, a educação. As pessoas precisam aprender o que é certo, como funciona. Esse ano, por exemplo, acertamos e erramos. E errar custa dinheiro. Custa caro, quando erramos. Mas mostramos para as pessoas que a cultura do erro é importante. Você só saberá se vai funcionar ou não, se testar. Tem de aprender também a parar rápido, dar um stop rápido, quando a coisa não está funcionando. Aqui incentivamos as pessoas a pensar e a errar. Não dizendo que vão errar, mas as incentivando a testar e a ser tolerantes ao erro. “Ah, acredito que devemos vir para cá. Tome aqui o que você precisa, ache seu caminho e faça”.

Você acredita que todas as pessoas devem arriscar na vida?
Não tenho dúvida disso. Sabe quando você vai investir nas Bolsa, quanto maior a sua aposta, maior é o seu risco. Mas a recompensa, se der certo, será mais alta. Nem todo mundo tem esse apetite para tomar esse risco, vários fatores influenciam, mas não tenho dúvidas: por onde você passa, seja criando uma empresa ou trabalhando nela, tomar risco é a melhor decisão. Você só vai saber se funciona ou não se experimentar. E hoje, na velocidade em que as coisas ocorrem, é muito fácil experimentar; se não der, volta, dá dois passos para trás e vai de novo. A startup faz isso, tem de fazer isso o tempo todo.

Veja o Especial Volta às Aulas >>

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