O festejado técnico da seleção feminina de vôlei e do Hinode Barueri, único tricampeão olímpico do esporte brasileiro, realizou o sonho de ver o vôlei alavancado no País, mas sabe que é preciso continuar trabalhando firme para conseguir mais investimentos e alçar novos voos.
Lembra aquele filme Do que as mulheres gostam, protagonizado por Mel Gibson e Helen Hunt?
Na telona, Gibson faz o papel de um publicitário que, inesperadamente, depois de levar um choque, começa a entender tudo sobre o universo feminino. José Roberto Guimarães, técnico da seleção feminina de vôlei e do Hinode Barueri, também entende muito sobre as mulheres, seus sentimentos e seus “ais”, mas isso não aconteceu depois de um choque e, sim, depois de um toque. Alcione, a esposa do Zé Roberto, disse a ele que, para ser técnico de um time feminino, precisaria aprender sobre as jogadoras. Assim, ele esmiuçou o tema e foi fundo em detalhes do funcionamento do organismo feminino, como a temida TPM, por exemplo. Em sua equipe tem até um ginecologista, que muitas vezes desvenda aspectos importantes acerca do comportamento das atletas.
Foi no Centro de Treinamento do Barueri que o ex-jogador e técnico de vôlei nos recebeu. O lugar, construído há 25 anos, é um sonho realizado do Zé Roberto, onde ele forma novos atletas, dando oportunidade aos jovens talentos. Em uma sala simples, recheada de fotos de sua trajetória, dos amigos e uma imagem estilizada de Nossa Senhora Aparecida, ele nos contou como se tornou um esportista tão vitorioso, aqui no Brasil e lá fora, sem perder a humildade.
Acompanhe a entrevista!
Qual a diferença entre o esporte brasileiro e o europeu?
Trabalhei três anos na Itália e dois na Turquia. Na Europa, existem muito mais equipes e mais investimentos. No Brasil, há uma gangorra muito grande. Você tem que dar sorte de estar num time com patrocínio estável, para estabelecer um planejamento. Aqui a gente vive sempre no sufoco, não sabe se vai continuar patrocinado no ano seguinte, já que a economia brasileira oscila muito. Dependemos demais das empresas, do momento que o patrocinador está vivendo, do faturamento. Não podemos depender muito do governo, apesar de termos a Lei de Incentivo Fiscal, que nos ajuda no projeto do Barueri; só não podemos pagar o salário das jogadoras, mas usamos para despesas com transporte, alimentação, uniforme e material. Os salários são pagos com verba de marketing mesmo, patrocínio. E aí é que pega. Nosso patrocinador máster, a Hinode, tem nos ajudado muito, temos apoio da Leroy Merlin, da Benfica e da Sanepav, mas não é o suficiente ainda para termos um time de ponta. Para nos manter onde estamos hoje, está ótimo! Agora, para darmos um salto de qualidade, jogarmos o campeonato Sul-Americano, o Mundial, e termos voos mais altos, precisaríamos de mais auxílio.
Você está feliz no Barueri?
Muito feliz! Era um sonho da minha vida: montar um projeto na cidade onde eu escolhi para viver com a minha família. Inauguramos o CT em 1994. Quando se abriu a possibilidade de criar um time adulto aqui, e ainda trabalhar com categorias de base, formando novos atletas, fomos atrás! Em 2015, teve uma baixa muito grande no esporte de Barueri, por causa da redução de verbas. No vôlei, nós tivemos de reconstruir as categorias de base, começamos praticamente do zero. Aí, então, aproveitamos a estrutura do CT e a parte logística da prefeitura. Talvez, Barueri possua uma das melhores estruturas físicas esportivas do País. Temos um ginásio municipal com capacidade para 5.400 pessoas, uma população que ama esporte, que pratica, que está se envolvendo com as modalidades e incentiva os eventos. Hoje, a nossa média de público por jogo é de 2.500 pessoas, o que é ótimo.
Como você se tornou um técnico legendário?
Eu acho que tudo vem das nossas raízes. Eu não me esqueçonunca da cidade onde eu nasci, da família de onde eu vim, da minha formação e do meu sonho, a partir do momento que eu conheci o vôlei. Foi em Santo André, com 13 anos. Meu professor de Educação Física me incentivou e, logo, fui chamado para o time da cidade. Foi assim que me apaixonei pelo vôlei e o coloquei como meu objetivo de vida. Meus pais queriam que eu fizesse Medicina ou Engenharia e ficaram muito decepcionados. Aí, vieram os primeiros resultados e eles perceberam que era o meu dom. Eu agradeço aos professores, técnicos e aos jogadores que passaram pela minha vida e me ajudaram a evoluir.
Você gosta mais de treinar equipes masculinas ou femininas?
Eu estou tão inserido, hoje, no contexto feminino, que não me vejo mais treinando um time masculino. Durante 15 anos da minha vida, eu me dediquei ao naipe feminino, comecei a estudar mais sobre a mulher. Eu sempre digo que talvez eu seja o único homem brasileiro a ter um ginecologista, porque eu me consulto com ele para tentar saber mais sobre as minhas jogadoras. Estudei a fundo o organismo das mulheres para entender o porquê da TPM, o que pode ocasionar isso… Não podemos esquecer que lidamos com resultados. O time tem de bater metas para que o patrocinador acredite que está investindo em algo bom, saudável, que vai ajudar as outras pessoas a evoluir. Procuramos montar uma equipe multidisciplinar, que nos ajuda a desenvolver esse trabalho com as jogadoras. Não foi fácil ter esse olhar. Eu vivi em uma família com quatro irmãos. A Alcione dizia: ‘você cresceu num ambiente muito masculino, vai cuidar agora de mulheres? Precisa entender mais o universo feminino’. A partir disto, li muitos livros! Lia, lia, lia… e, depois, tivemos uma palestra com o ginecologista Eliano Pellini.
Percebi que ele era atento ao desempenho das jogadoras, sabia porque elas caíam de rendimento e, então, ele começou a fazer parte da equipe. Eu também tenho a ajuda da minha mulher, que administra o CT; ela tem um olhar muito interessante e está sempre conversando com as meninas. A Alcione é a chefe, ela que manda!
Como você lida com as críticas?
Não me incomodam. O duro é quando se recebe uma crítica do lado negativo, sem saber o que está acontecendo dentro do time. Muitas vezes, a opinião de fora vem em cima de resultados, porque vivemos em um País onde segundo e último são a mesma coisa.
O ego das jogadoras causa problemas no time?
Os egos são parte constante de um time; qualquer time, onde tem uma equipe e gente trabalhando junta, você vai estar sujeito a isso. Eu acho que o técnico tem muitos papeis, de mediador, amigo, conciliador, de pai. Acho que temos que estar atentos aos sinais, poder intermediar essas relações, mostrar que o que é mais importante é o desempenho do time e não o individual. Ao mesmo tempo, você não pode cercear aquela jogadora que tem mais dom, mais capacidade, que é mais procurada pela imprensa, mas é necessário fazer com que ela veja que é importante para o time, desde que se doe para e se concentre no time, deixando a vaidade e o ciúme de lado.
Você é teimoso?
Não mudo meu comportamento, tenho as minhas convicções, meu planejamento. Ouço muito tudo o que minha comissão técnica diz, afinal, estou cercado de profissionais de várias áreas, uma comissão multidisciplinar. Procuro ouvir inclusive as pessoas de fora, outros treinadores, para conseguir tomar a melhor decisão possível. Não me baseio em críticas, mas em quem pode agregar soluções para este ou aquele problema da equipe. Quando tomo uma decisão, penso nas jogadoras, claro, e, às vezes, isso é tido como teimosia. O fato é que não vou pela opinião dos outros e se pudesse citar uma música nesses momentos seria My Way (meu jeito).
Quem são seus amores?
Minha esposa, filhas, netos… minha família toda!
Qual a sua fé?
Sou católico, mas respeito todas as religiões. Vim de uma família católica, minha mãe era devota de Santa Rita de Cássia. Eu amo Nossa Senhora Aparecida, sou devoto de Santa Edwiges e não largo minha medalha de São Bento. Gosto de participar das missas no Mosteiro de São Bento, no centro do São Paulo, e ouvir canto gregoriano. Já fiz também o caminho de Santiago de Compostela duas vezes, foi maravilhoso!
Você tem saudade da época que era jogador?
Ah! Era uma época maravilhosa, porque você, como jogador, se preocupa com você e com o seu desempenho. A gente pensa no time também, mas se preocupa principalmente consigo próprio. Como treinador, tenho preocupação 24 horas por dia, a gente tem que cuidar de tudo. Hoje, treinando times femininos, me preocupo se a filha da Dani está bem, se ela está comendo bem, se a Dani a levou ao médico, se a levou para tomar as vacinas. Parece uma coisa distante, mas é muito próxima, porque se a Lara, filha da Dani, não estiver bem, consequentemente isso vai afetar o time e me afeta, porque eu sei que ela não vai estar de corpo e alma no que ela está fazendo. Então, o treinador passa a ter uma preocupação com todo grupo. Com netos, namorados, maridos, com todas as relações que estão em volta do time. Temos que ficar atentos com o ginásio, ver se ele está em condições, se está chovendo muito, se o salário está em dia, se as jogadoras estão comendo bem, dormindo bem. Se me falassem para voltar a ser jogador, eu voltaria rapidinho!!!
Qual o futuro do Zé Roberto?
Não sei… Se tudo correr bem, fico na seleção até Tóquio 2020! Outro sonho é conseguir manter o projeto, e para isso estamos correndo atrás de várias empresas. Penso em ver o Barueri abraçado pela comunidade, quero que os moradores tenham orgulho de ser representados pelo time, e que as crianças se entusiasmem a fazer esporte aqui. Sonhos para realizar!
Segredo do sucesso, por Zé Roberto
Paixão
Sonho
Trabalho
Dedicação
Disciplina
Perseverança
RAIO X
Nascimento: 31/7/1954, em Quintana (SP)
Família: Casado há 38 anos com Alcione, 2 filhas e 3 netos
Hobbies: Tênis e hipismo Formação: Educação física
Trabalho: Técnico da seleção feminina de vôlei, dirigente e técnico do Hinode Barueri
A HISTÓRIA DO CT DE BARUERI
O Centro de Treinamento idealizado e construído pelo Zé Roberto começou a ser erguido em 1992, quando o vôlei deu um bum, no final de 1992. Foi justamente quando a seleção masculina de vôlei voltou dos jogos olímpicos com a medalha de ouro. Dois anos depois, houve a inauguração. O lugar onde está o CT era uma chácara e tem 25 mil metros quadrados. Zé Roberto comprou a área em parceria com o sogro e investiu praticamente tudo o que ele ganhou na vida neste projeto. “Tinha o sonho de construir no Brasil um lugar que facilitasse a vida do atleta, e que ajudasse o atleta de alto rendimento a alcançar melhores resultados. O fato de fazer tudo em um só lugar, treinar, se alimentar e se hospedar, evita o deslocamento, pois no esporte não temos tempo a perder”, diz o técnico.
O QUE O CT DE BARUERI TEM
Piscina, sala de musculação, 23 apartamentos, restaurante, oito quadras de tênis, ginásio e um campo de futebol oficial que foi transformado em quadras de tênis. Antes, times como o Palmeiras, treinavam lá, mas, com o tempo, as equipes construíram seus próprios centros de treinamento, o campo de futebol ficava ocioso. Hoje, treinam no CT alguns dos melhores jogadores juvenis de tênis do Brasil, ligados à Fundação Lemann.
ASPAS: “Vivemos em um País onde segundo e último são a mesma coisa.”