Viver essas histórias reais muito jovem, mudou completamente a minha forma de encarar uma competição de golfe, mesmo atuando toda a minha vida como amador. Na década de 60, quase não havia torneios para os profissionais de golfe, por isto o Aberto do Brasil, tomava proporções enormes e criava uma atmosfera de oportunidade única para a projeção e para os ganhos financeiros desses profissionais. Mas isto era mais uma cortina de fumaça, se os prêmios eram bons, a vinda de profissionais internacionais muito mais qualificados, provenientes de tours altamente competitivos, tornava a vida dos nossos profissionais tupiniquins dificílima. Todo este cenário de baixa expectativas anualmente era colocado de lado, uma vez que o sonho de se dar bem era mais que inerente na cabeça e no coração de cada um dos nossos profissionais.
Quase todos eram professores de golfe de terça a domingo, para a sobrevivência familiar, e somente se dedicavam aos treinos poucos dias antes do grande torneio nacional, e as exceções comprovaram a regra. Era claro de um lado que este processo era plenamente limitante no desempenho esportivo de cada um deles, mas por outro lado, era uma oportunidade única para um intercâmbio técnico, para novos contatos e para viver por 5 ou 6 dias, com os amigos de profissão. Como filho de um profissional, que participou do Aberto do Brasil, por 25 anos seguidos, pude viver essa atmosfera por 5 anos seguidos, acompanhando a dor e a delícia de todo processo prévio e durante o torneio.
Dos amigos do meu pai, somente o campeoníssimo Mario Gonzalez, o maior jogador brasileiro até hoje, disputava os primeiros lugares, os demais lutavam para ficar entre os 10 a 15 primeiros colocados no torneio. E quando isto ocorria era motivo de muita comemoração entre o meu pai e mais cinco de seus amigos. Nestes cinco anos que acompanhei de perto, meu pai por duas vezes ficou entre os 10 primeiros, o que foi motivo de muita festa, levando quase todo o prêmio em dinheiro que ele ganhou no torneio. O júbilo era maior que qualquer outra coisa mais racional, especialmente a situação financeira de cada um. Mas o que marcou muito a minha juventude e que carrego até hoje na minha mente, foram dois episódios muito tristes com dois dos melhores amigos, meu pai.
Cujos nomes estou alterando, para efeito deste artigo. O primeiro caso, ocorreu num Aberto do Brasil jogado no São Paulo Golfe Clube, local onde meu pai e seus amigos conheciam muito bem, quase todas as segundas feiras, dia de folga nos clubes que trabalhavam, jogavam um sweepstake entre eles, tomaram muita cerveja e se divertiam com os funcionários do clube. Estes encontros e as farras que faziam criou entre eles uma amizade muito forte e por consequência uma intimidade e camaradagem, que nem sempre ajudava na hora de enfrentar um torneio de elevado nível técnico de um aberto, que exige máxima concentração. No terceiro dia do torneio, o famoso moving day, dois dos mais brincalhões amigos do meu pai, vinham jogando juntos a partida da vida, estavam bem abaixo do par, e já apareciam no placar geral entre os 10 primeiros do torneio.
O meu pai havia jogado, e eu vinha acompanhando seus amigos e vibrando muito nos últimos 3 buracos da primeira volta. Na passagem para o buraco 10, que no caso deles, era o buraco 1, o grupo deles saiu pela segunda volta, meu pai e outros amigos se juntaram a mim para acompanhar a segunda volta dos amigos, que estavam arrebentando.
Como estavam acostumados a muitas brincadeiras entre eles, a espera no tee de saída da segunda volta, gerou uns vivas e umas palavras de inventivos um pouco além da cota. Jogadores e caddies estavam vibrando muito com toda a situação. Meu pai comenta baixinho comigo que aquilo poderia tirar a concentração de seus amigos, e esta premonição levou um único buraco. Alfredo, um dos seus melhores amigos, jogou o segundo tiro no par 4 na banca da direita, a mais difícil delas naquele buraco.
Os outros 3 parceiros do grupo estavam todos no green com a segunda tacada. Alfredo com uma atitude extremamente positiva, pede a seu caddie para ficar na bandeira, depois de fazer duas caminhadas entre a banca e o buraco, se concentra e dá uma tacada perfeita da banca, deixando a bola a menos de 10 centímetros do buraco. No meio dos aplausos e dos vivas da torcida, alguém gritou a bola está dada, ato comum no jogo entre amigos, e aí a tragédia aconteceu, o caddie do Alfredo que estava muito próximo do buraco e da bola, num lapso total levanta a bola.
Olhei para o meu pai que já estava com lágrimas nos olhos, quando ele disse que Alfredo está desclassificado do torneio. Para mim foi uma terrível experiência que marcou minha juventude e jamais consegui esquecer. E como parece que as tragédias mesmo são esportivas, elas veem num ciclo, no ano seguinte no Aberto do Brasil jogado no Rio de Janeiro no Gávea Golf Club, uma nova ocorre também com outro amigo do meu pai. Tudo ia às mil maravilhas, desde a terça feira no primeiro dia de treino, nós ficamos hospedados num hotel no final do Leblon, para facilitar a ida para a Gávea.
Eu, nos meus 15 anos de vida, joguei com o meu pai e dois amigos, durante os dois dias de treinos, e pude constatar a dificuldade e a qualidade do campo preparado para o aberto. Os seis amigos, incluindo meu pai, jogaram relativamente bem até o terceiro dia de jogo, exceção ao Carlos que jogou muito bem, que terminou o moving day entre os cinco primeiros colocados, fato que jamais nenhum deles havia conseguido em duas décadas.
Mas o destino e as tragédias humanas, nem sempre precisam de um grande movimento, sábado no final da tarde tinha um grande prêmio no hipódromo da Gávea, e Carlos convidou todos os amigos que tinham terminado a terceira volta para acompanhá-lo. Meu pai, que era totalmente contra todo o tipo de jogo de azar, e até para não dar mal exemplo para mim que estava junto, disse que não iria, e com os demais amigos voltamos para o hotel no Leblon para aproveitar a piscina, beber cerveja e bater papo.
Por volta das 20 horas, fomos todos comer uma pizza num restaurante próximo ao hotel, para voltar logo, eles tinham que dormir cedo para jogar a última volta do campeonato no domingo. Voltamos um pouco depois das 21:30h ao hotel, meu pai pediu que eu fosse para o quarto que ele iria tomar uma saideira com dois amigos. Em menos de 40 minutos meu pai já estava no quarto, eu estava acordado e vi que o semblante dele estava com ar de extrema preocupação. Mesmo antes de eu perguntar ele comentou, encontramos o Carlos no bar quase totalmente bêbado, a garrafa de whisky que ele tinha nas mãos estava quase vazia.
Ele havia apostado pesado num cavalo e perdeu até o possível prêmio que ele ganharia no torneio. Não precisei nem da premeditação do meu pai, para saber que ele não conseguiria jogar no último dia, onde ele sairia no último e mais importante grupo do torneio. Ele jogou tão mal no último dia, que não conseguiu ficar nem entre os 20 primeiros do torneio. O golfe este esporte maravilhoso, como poucos de alta precisão, não permite o menor deslize, foco e atenção são requisitos mínimos que todos devemos ter, mesmos nós reles amadores.
Viva o Golfe