O tórrido verão e a polêmica do ar-condicionado no condomínio

foto: Divulgação

Em 1902, um americano teve a genial ideia de usar um sistema de dutos captando a umidade do ar para resfriar o ambiente das grandes indústrias de tecelagem do início do século XX. O nome do inventor: Willis Haviland Carrier, cujo sobrenome se eternizou no equipamento e objeto de desejo de muitos que vivem nos trópicos, o ar-condicionado, que nasceu como equipamento de fábrica e hoje é um eletrodoméstico almejado por quase todos os habitantes de terras tropicais.

Desembarcando nosso tórrido verão de 2019, temos a exata noção de algumas questões, talvez jamais imaginadas pelo inventor americano: estamos vivendo a “era do degelo”; a revolução industrial trouxe aparelhos que trazem confortos jamais imaginados pelo homem comum do início do século XX; temos acesso fácil e irrestrito às inovações tecnológicas e perseguimos, a todo o tempo, o conforto e prazer.
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Hoje, por mudança de hábito e alterações nas condições climáticas, que sentimos literalmente na pele, no Brasil, o aparelho de ar-condicionado deixou de ser um item de luxo e, no mundo atual, é considerado equipamento básico em automóveis, transporte público, aviões, navios e áreas comerciais, e vem ganhando status de eletrodoméstico essencial nos lares brasileiros.

Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o consumo de energia elétrica por condicionadores de ar no setor residencial mais que triplicou nos últimos 12 anos. Já a compra de novos aparelhos por residências subiu nove por cento ao ano entre 2005 e 2017.

Como é natural, todos os fatos sociais refletem na vida em condomínio. Desta forma, o aumento pela demanda por aparelhos de ar-condicionado tem sido motivo de discussão no meio condominial.

Empreendimentos de alto padrão, em geral, têm as unidades autônomas projetadas para receber e instalar aparelhos de ar-condicionado para que não agrida a fachada, observando normas técnicas voltadas a garantir a segurança e a solidez da edificação.

O dilema enfrentado pelos síndicos e gestores em relação ao “sonho de consumo” da grande maioria dos brasileiros está diretamente ligado à ausência de infraestrutura elétrica para instalação de tais aparelhos, ou à impossibilidade de instalação pela sobrecarga nas estruturas construtivas.

Como somos o país do “jeitinho”, mas isso com perseverança mudará, os condôminos e moradores, quando recebem a negativa por parte da gestão quanto à instalação dos aparelhos de ar-condicionado, de modo recorrente apresentam o tema em forma de reclamação nas assembleias, cuja discussão sempre termina na questão da segurança, e especialmente, do risco de incêndio, pela sobrecarga na rede elétrica dos condomínios.

Situação mais grave ocorre quando o condômino “calorento” resolve burlar as regras condominiais e promove instalações clandestinas, por sua conta e risco, o que pode expor todos os outros, funcionários da edificação e terceiros, considerando que instalações elétricas inadequadas são as maiores causadoras de incêndios de grandes proporções. Mas, como o síndico e gestores prediais devem agir para evitar acidentes?

O caminho é promover campanhas educativas e destacar aos moradores a importância de observar o manual do proprietário e a convenção condominial, e, caso seja vedada a instalação, seguir estritamente o quanto imposto pela construtora.

Se o condômino instalar, de forma clandestina, o aparelho ou sistema de ar-condicionado, o condomínio, por meio do síndico, pode inicialmente advertir, multar e propor ação judicial, em face do infrator, para desinstalar o aparelho. Destacando que o Judiciário, de forma uníssona, tem julgado no sentido de determinar a retirada do equipamento e suas instalações, conforme se vê a seguir:

Ementa: AÇÃO VISANDO AO CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONDOMÍNIO. Desativação de aparelho de ar-condicionado instalado na unidade autônoma do autor. Sentença de improcedência do pedido. Alegação dréu de que quem disponibilizou a instalação de aparelho de ar-condicionado e introduziu a infraestrutura necessária na unidade condominial foi a própria construtora. Laudo pericial que concluiu impossibilidade de instalação de aparelho de ar-condicionado nas demais unidades, sem comprometimento da carga elétrica do condomínio. Condômino não pode fruir benefício em detrimento da coletividade, não havendo que se falar em direito adquirido. Sentença reformada para julgar procedente o pedido. RECURSO PROVIDO.(TJ/ SP 1003944-33.2013.8.26.0100 – julgamento 05/09/2018)

Contudo, os condomínios devem ser considerados “organismos mutantes”, pois seus moradores mudam e suas necessidades também, logo os gestores devem acompanhar a evolução do empreendimento imobiliário. Neste sentido, no tocante ao aparelho de ar-condicionado, é recomendável que os síndicos adotem algumas medidas, tentando adaptar o anseio do condômino à realidade do condomínio, viabilizando estudo técnico e outras medidas que possibilitem adequações e a instalação desses sedutores aparelhos, cabendo à assembleia geral também, padronizar o local de instalação para que não ocorra a interferência na harmonia da fachada.

De toda forma, ainda que a “era do degelo” esteja sendo vivenciada neste verão, cabe aos condôminos e aos gestores dos condomínios prestigiarem sempre a segurança e a prevenção de acidentes e, por fim, o direito de igualdade, sendo vedada a instalação por parte de um ou dois condôminos se todos não puderem instalar, pois “calor que dá em chico, também dá em Francisco”.

por: Dr. Diego Basse – Escreve esse editorial