Já notou como a quarentena nos forçou a fazer um retiro espiritual? Um verdadeiro mergulho para dentro de nós mesmos. E, sabe o que eu notei? Que muitas pessoas definitivamente não gostaram disso – claro, não falo apenas dos problemas que estamos tendo ou já tivemos com o vírus propriamente, sejam esses de saúde, financeiros ou sociais, mas meu foco, nesse momento, é falar com você sobre o isolamento em si.
Ao longo de nosso período de isolamento, eu presenciei inúmeras pessoas próximas a mim se perdendo em relação a seus próprios eixos; pessoas que faziam muita atividade física e simplesmente não conseguiam treinar; pessoas que diziam viver em paz com elas mesmas sentindo-se extremamente caóticas e ansiosas; casais que aparentavam não ter problemas em seus relacionamentos e que agora estão enfrentando inúmeras turbulências; pessoas que conseguiam se alimentar muito bem, mas que agora estão desenvolvendo distúrbios alimentares… Esses são apenas alguns dos inúmeros exemplos que eu poderia citar aqui.
A privação dos estímulos externos
O mais intrigante foi que eu reparei, nessas pessoas, os mesmos processos que eu percebo ao longo dos processos terapêuticos que eu faço no Instituto Gente. Quando estamos em um retiro espiritual, basicamente o que acontece é que lá, além de todos os exercícios que fazemos, é justamente a privação de estímulos externos que corrompem aquele que está passando por esse processo de cura – estímulos esses que distraem, gastam o tempo e que são como aquela notificação de celular tentadora que aparece quando você mais precisa se concentrar.
Algo que eu sempre faço durante as terapias e exercícios que realizo com meus alunos: quando nós estamos sempre olhando para fora e correndo atrás de algo, deixamos de checar verdadeiramente como estão nossas emoções, nosso corpo, nossos pensamentos… e, o mais importante: em que estado está a nossa criança interna.
É ela a responsável por permitir que nós imaginemos, sonhemos e vivamos em outra realidade e que, realmente, possamos expressar nossas emoções, pois, infelizmente, o processo de crescimento e passagem à vida adulta significa, na maioria das vezes, que nós soterramos essa criança – o que nunca é o ideal.
É fato que, conforme vamos crescendo, temos de aprender a lidar com essa criança e saber o melhor momento de ela vir à tona. Porém, às vezes fazemos esse soterramento justamente pela incapacidade de atender aos pedidos dela que, na maior parte dos casos, tem uma ferida precisando ser curada, mas nós não somos capazes de tratar disso naquele momento, e nos fazemos acreditar que esquecer é o melhor caminho.
Tempo de curar feridas
‘’Eu nem lembrava’’, ‘’Eu já perdoei’’… Essas são frases que eu ouço muito dos meus alunos, justamente quando eles entram em contato com essa ferida, percebendo que não tinham, de fato, a superado ou cicatrizado definitivamente. E sabe o que acontece com uma ferida que não está devidamente curada? Ela vive nos atormentando, nos fazendo enfrentar problemas na vida adulta por essas cicatrizes abertas de 10, 20, 30 ou até mesmo 60 anos atrás.
O processo de desenvolvimento pessoal vai justamente nessa direção, de fazer com que essa criança esteja em paz finalmente, pois, quando nós chegamos a esse estado, nós não queremos briga, não queremos nos encher de comida e depois passar mal, simplesmente não queremos travar nossas vidas. E essa criança só é curada quando nós abrimos espaço para olhar para ela.
A maioria das pessoas que estão ‘’saindo do eixo’’, na realidade nunca esteve nele. O ponto é que essas pessoas tinham tantos estímulos externos que elas simplesmente não davam espaço para essa criança se manifestar, mas uma hora a conta ia chegar.
Então, por que nós não aproveitamos esse momento para curar nossa criança? Não aproveitamos para fechar de vez essas feridas que ficaram abertas? Um bom começo é dar a oportunidade de ouvi-la. Reserve um momento para você, um momento só seu e da sua criança. Claro que um momento real de fechamento de feridas vai muito além disso, mas esse já é um enorme passo.