Duas surpresas incríveis, uma assustadora

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Dias desses numa roda de golfistas, eu sendo o mais velho e com mais tempo de prática, recebi uma pergunta bem interessante, quais foram os momentos mais surpreendentes fora do campo de jogo. Tive que pensar bastante e um filme passou na minha cabeça nas mais de 6 décadas que jogo e acompanho golfe, escolhi duas situações correlatas, e aproveito para relatar aqui para mais pessoas tomem conhecimento, que tiveram o mesmo grau de surpresa, porém com exatos 50 anos de diferença. No início da década de 60, quando eu tinha somente 10 anos de idade, fui convidado para conhecer a sede de um clube de golfe, tirando um pouco do deslumbramento infantil natural, tudo foi uma grande surpresa desde o início da visita. Para melhor contextualizar, a visita ocorreu numa segunda feira, quando o clube era fechado para a prática do golfe naquela época, o que permitiu uma liberdade incrível para examinar tudo. Começamos pelo pro-shop, que também funcionava como escritório para venda de green-fees e marcação de aulas. O clube tinha somente 60 sócios, mas a sede em si era bem imponente por fora, mas sem grandes exageros. O pro shop tinha no máximo uns 30 m2, porém revestido totalmente em madeira de mogno, prateleiras e mesas, no mesmo material e com um excelente acabamento. Tudo que tinha na loja era importado, sapatos, camisas, bolas, tacos e bolsas de golfe, e demais complementos, grande parte era origem inglesa ou americana. Bolas e sapatos todos ingleses da maior qualidade. Para o garoto tudo era um luxo só, e quando soube o preço de alguns itens, fiquei muito assustado, pois até então não tinha nenhuma noção de valores. Passo seguinte fomos conhecer o vestiário, cuja assepsia de tudo lembrava uma área nobre de um hospital, tudo no devido lugar, os lockers (armários) com os nomes de cada um dos sócios e em frente de cada bloco de armários havia um banco de madeira ripado, numa cor branca impecável. Em seguida fomos conhecer os chuveiros, que eram tantos e tão especiais, que o responsável do vestiário, comentou que era para que os sócios não esperassem um ou outro tomando seu banho pós jogo. Na sala onde estavam as bancadas e as pias (lavatório) todas de um mármore italiano fantástico e os espelhos todos de cristal importado, que o responsável do vestiário disse ter vindos da Bohemia. E para falar em grande surpresa, foi encontrar o responsável pelo vestiário, que cuidava de todos os sapatos de golfe e sociais dos sócios, vestido totalmente de branco, e vê-lo engraxar sem se sujar e não deixar uma mínima mancha no seu uniforme, era algo espantoso. Depois fomos conhecer o restaurante, que apesar de bem elegante não trouxe nenhuma admiração mais profunda. Mas logo em seguida, fomos a duas áreas de beleza extraordinária, primeiro o lounge ou sala de estar, que tinha muitos móveis, especialmente 4 jogos de sofá, ingleses em couro belíssimo, no estilo Chesterfield, legítimos. Sem falar dos quadros e tapeçarias italianas do século XIX. Eu nunca tinha visto nada parecido, nem nos livros e revistas. A segunda área era o bar dos homens, onde mulheres e crianças não podiam entrar. Só pude conhecer aquele incrível ambiente pelo fato de o clube estar fechado às segundas feiras, onde se destacava muito couro e madeiras nobres, tudo dentro de um estilo inglês e escocês, nos mínimos detalhes. No balcão cadeiras altas em latão e estofados de couro na cor vinho. E no salão do bar, muitas mesas em madeira nobre e tampos em couro verde. Tudo lembrava um pub inglês sofisticadíssimo, isto eu fui descobrir muito tempo depois. E como um garoto deslumbrado e impertinente, quis saber o porquê não podia entrar mulheres e crianças naquele lugar, e a resposta de meu pai que me acompanhava, bem direta foi, aqui se bebe muito whisky e se joga pôquer de dados a dinheiro, após toda a partida de 18 buracos, foi aí que conheci a expressão buraco 19. Mas isto a meu ver não era motivo pelo menos para proibir as mulheres adultas, aí meu pai foi bem específico, bebe-se muito, fala-se muita besteira e muitos palavrões, o que não era admitido para os ouvidos femininos da época. Quem perdia ou ganhava sempre se extravasava, no bar do buraco 19. Quis o destino que exatos 50 anos depois, em 2010, eu agora com 60 anos de idade, ir fazer um golfe safari na África do Sul, dentro do programa do Rovos Rail, considerado um dos trens mais luxuosos do mundo. Por 9 dias andamos mais de 3.000 quilômetros de trem, por toda a África do Sul, jogando quase todos os dias num campo de golfe diferente e a noite pernoitavam no trem depois de um luxuoso jantar diariamente. Toda esta pompa e circunstância, nesta altura da vida, não se apresentava como excepcional ou mesmo inusitada, apesar de toda a qualidade do trem, das pessoas, dos atendimentos, da comida e outros detalhes, como a música de câmera que nos recepcionou na estação inicial. A grande surpresa ocorreu quando depois de adentrarmos no país incrustado dentro da África do Sul, Swaziland, que a partir de 2018 passou a chamar Reino de Essuatini, que significa terra dos suazi, na língua suazi ao invés de Swaziland vindos do inglês, fomos parar no Swaziland Golf Club, para jogar 18 buracos neste campo, que de tão bom abriga anualmente uma etapa do tour profissional Sunshine. A surpresa e o choque se deram de uma forma extraordinária, pois antes de ir para o clube de golfe, passamos pelas ruas da capital onde ficamos assustados de poder comprovar porque a Swaziland tem um dos menores índices de desenvolvimento humano (IDH) do mundo e hoje em dia tem uma expectativa de vida em torno de 40 anos (muito graças a contaminação pelo vírus da AIDS). Chegando no clube parecia que tínhamos chegado num clube Inglês ou Escocês, de altíssimo luxo, onde o vestiário é um dos mais luxuosos, se não o mais, do que as centenas de clubes que visitei mundo a fora. E o bar muito maior do que aquele da minha infância, lembrava também um pub inglês, com tudo que tinha direito. Jogamos 18 buracos, acompanhados de bons caddies e carts, usufruímos do vestiário e do bar, pois tudo estava no nosso pacote, mas saímos chocados pela discrepância gigante que a vida reinava neste lugar. O extremo luxo e a extrema pobreza, lado a lado, que se soubéssemos por antecipação jamais teríamos concordado em visitar, era muito cruel.