Cão que ladra não morde – ELE TECLA

foto: Freepik

“Cão que ladra não morde”, eis o ditado popular repetido por nossas avós. Em tempos de rede social, o ato de disseminar notícia e comentários tem poder de ferir maior do que a mordida de um leão. Temos de reconhecer que o futuro é agora, que vivemos em plena revolução tecnológica e uma significativa mudança de paradigmas quanto à comunicação. Vale destacar que, recentemente, elegemos um Presidente que fez das redes sociais seu principal palanque, tornando o horário eleitoral gratuito mero acessório na campanha, usando de tal ferramenta para transmitir atos governamentais e até mesmo em sua recente hospitalização.

Pois bem, com o advento das mídias sociais, a forma de nos relacionarmos e nos comunicarmos mudou completamente. Vejamos o exemplo daquela vizinha que se debruçava na janela para comentar a vida dos passantes, hoje essa figura cuida da vida alheia por meio das redes sociais. Espiando fotografias, comentando frases e disseminando as “notícias” em tempo real, especialmente nos famosos grupos de WhatsApp e Facebook.

Não podia ser diferente dentro dos condomínios, considerando que eles refletem todos os fenômenos sociais. A combinação reunião de pessoas/anseios/possibilidades de  interagir em relação ao empreendimento tornou os grupos de redes sociais uma febre nos condomínios.

Há os temáticos como grupos de mamães, que discutem especialmente eventos, dicas  e o uso do espaço comum em torno das crianças; há os grupos cujos assuntos orbitam em relação às comissões (outra febre nos condomínios) de esportes, lazer, obras e outros temas que os condôminos elegem em assembleias como relevantes, grupo do Corpo Gestor e os grupos “livres” ou o “grupão” de condôminos e moradores.

Tais grupos, em geral, são administrados por um condômino, que gosta de socializar; contudo, não há regras e os condôminos integrantes do grupo promovem inúmeras discussões, que perpassam por compra e venda de produtos de serviços até as questões inerentes à administração do condomínio. E é nestes grupos que se criam grandes debates, que acabam por antecipar temas até mesmo a ser debatidos nas assembleias de fato.

Muitos gestores dos condomínios  participam  desses grupos virtuais, utilizando as discussões ali estabelecidas para nortear suas  ações, que podem promover reformas e serviços, considerando a opinião e debates dos condôminos e moradores. Contudo, há flagrantes excessos, cometidos por condôminos que, protegidos pela distância física, colocam “a boca no trombone” e perdem a noção entre o que é crítica construtiva e o que é agressão verbal, em geral proferida a esmo e sem cuidado com a imagem e sentimentos do ofendido – comumente, o síndico.

E o ponto de atenção sobre o qual advogados e juízes cotidianamente se debruçam é: qual o limite do exercícioda opinião e a prática ostensiva de ofensas pessoais? O que é aceitável e o que macula a imagem e a honra? Vale lembrar que, atualmente, os síndicos, em muitos condomínios, são profissionais e, dependendo da situação criada na rede social, essa pode afetar, além de sua honra,  a condução de seu negócio empresarial, resultando em prejuízo financeiro.

Eis a questão – estamos diante de uma nova realidade. Se, por um lado, temos uma eficaz ferramenta de comunicação, por outro temos uma arma que  pode ferir o alvo  e causar danos irreparáveis, uma vez que determinados comentários se propagam e “colam” na imagem do criticado.

Em tempos de Operação Lava-Jato, por exemplo, é muito comum os condôminos, ao reclamarem do síndico e conselheiros, metaforicamente utilizarem a bem-sucedida operação policial para insinuarem desvios de receitas ou superfaturamento em contratos do condomínio.

Em outras situações, as ofensas são literais, não se faz uso de figuras de linguagem, apontam-se condutas criminosas e, por vezes, chamam o síndico de corrupto e ladrão. Aí estamos diante da ofensa consumada, considerando que o agente agressor quis ofender.

Além da questão criminal, a desonra pode ter conse quências no âmbito cível, tendo em vista que o ofendido pode buscar reparação por danos, até mesmo lucros cessantes, no caso dos síndicos profissionais, que eventualmente podem vir a perder oportunidade de ser eleitos ou manter-se no cargo de síndico devido à maledicência plantada nas redes sociais.

No âmbito cível, a jurisprudência tinha por tendência afastar o dever de reparar, sob o argumento de que o síndico e ou gestores se sujeitam às críticas, quando ocupam cargo eletivo, conforme exemplificamos:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – Autora trabalhou como síndica do condomínio em que reside – Alega ter sofrido abalo moral, em decorrência das insistentes críticas, acusações de roubo e manifestações públicas de descontentamento proferidas pelo réu, com relação à sua administração – Manifestações contundentes e direcionadas também à administradora do condomínio, o que foi confirmado pela prova testemunhal – Sentença de improcedência – APELAÇÃO DA AUTORA – Críticas exercidas ao cargo de síndica decorrem da própria atividade realizada. Não comprovação da existência de abalo moral passível de indenização – Sentença mantida – RECURSO DESPROVIDO (TJ/ SP 0052874-76.2011.8.26.0001 – julgamento 10/03/2016).

Contudo, é perceptível que, diante dos abusos,  a tendência seja conceder indenizações em favor dos gestores ofendidos, conforme colacionamos:

Ação de reparação de danos morais – Sentença de improcedência – Insurgência do autor – Ofensas dirigidas ao autor proferidas em grupo de “whatsapp” privado de moradores do condomínio em que o autor exercia a função de síndico – Conduta ilícita da ré verificada – Existência de dano moral em relação ao autor – Valor da indenização deve ser fixado segundo os critérios da razoabilidade e proporcionalidade – Correção monetária a partir do arbitramento e juros de mora desde o evento danoso – Sentença reformada – Recurso de apelo provido. Dá-se provimento ao recurso (TJ/SP Apelação nº 1012221-49.2015.8.26.0009 – julgamento 16/05/2018).

Por fim, destacamos que é motivo de  aplausos   a possibilidade de os condôminos e moradores externarem opiniões nas redes sociais, colaborando com a gestão do  condomínio. A conduta a ser seguida é a de fiscalizar o uivo anônimo daquele que late alto nas redes e grupos sociais, mas que nunca comparece às assembleias.

Dr. Diego Basse – Escreve esse editorial