Acompanhante de percurso

André Aly se formou em Medicina Veterinária e chegou a trabalhar nas prefeituras de Piracaia e Joanópolis.

André Aly criou o @acompanhantedepercurso

Com o passar do tempo, sentiu que era menos técnico de Veterinária e mais entusiasta das relações humanas. Foi quando decidiu estudar Ciências Sociais. Hoje, sente-se realizado como educador e criou a figura do acompanhante de percurso, que vamos conhecer agora.

Foi depois de um intercâmbio nos Estados Unidos que André Aly resolveu dar uma guinada em sua vida profissional. Médico veterinário, ele ingressou na Faculdade de Ciências Sociais e, em 2012, começou a lecionar Sociologia, Ética e Cidadania, e Filosofia em escolas de São Paulo. Em 2016, concluiu mestrado na Faculdade de Educação da USP, aprofundando-se em itinerários formativos de professores, o que lhe possibilitou assumir o cargo de coordenador de Ciências Humanas e, posteriormente, articulador relacional em uma instituição de ensino de São Paulo. Nessa linha, André criou o acompanhante de percurso e hoje está à frente de seu próprio projeto educacional.

Como surgiu o acompanhante de percurso e qual sua função?
O acompanhamento de percurso nasceu como o desabrochar de uma flor, de dentro para fora, pelo desejo profundo de me conhecer e me transformar. Sempre me considerei um buscador de mim mesmo e dos mistérios da vida (faço terapia há quase dez anos), mas foi em 2016, trilhando os caminhos tortuosos para encontrar o sentido da minha vida, que encontrei minha casa espiritual e, a partir daí, os processos de escavação sobre quem eu sou se intensificaram, promovendo o florescimento de meus dons e talentos. Sou eternamente grato à vida por sempre acreditar que um dia encontraria um lugar onde pudesse me sentir plenamente integrado e pertencente, abrindo-me para o recebimento de muitos ensinamentos ético-existenciais e de valores humanos profundos exercitados na prática, fundamentais para a minha formação como ser-educador. Agora, explico como a figura do acompanhante nasceu de dentro para fora. Em 2017, durante uma viagem escolar, sofri um acidente e fraturei quatro costelas, ficando dois meses na cama. Esse período foi como uma espécie de portal de acesso a muitos sentimentos e emoções que estavam dentro de mim e eu nem percebia. Parei. Senti como se minha “armadura” tivesse sido atingida, muitas emoções saíram. Voltei à escola onde trabalhava, depois da licença, mas senti que algo tinha mudado e aproveitei o recesso de final de ano para viajar e ficar em contato com a natureza. Queria passar a virada de ano sozinho na montanha, só minha esposa e eu, sem celular, TV, internet ou outra distração. Foi assim que concentrei as ideias que vinham como insights. Escrevi o plano de negócio do projeto do acompanhante de percurso: missão, visão, valores, público-alvo. O cerne deste trabalho está na compreensão da vida como uma grande jornada, uma verdadeira aventura de formação, de aprendizado. E, considerando o tempo atual, ou melhor, a falta dele, ofereço o acompanhar próximo da vida de crianças e adolescentes, como uma espécie de tutor-referência, mestre-aprendiz, sendo eles por vezes os mestres e eu o aprendiz. Senti que, em tempos de sala de aula invertida, tablets, celulares, plataformas adaptativas de aprendizados, a presença de um acompanhante que considere os percursos e como as crianças e jovens vão se realizando neles, torna-se necessária. Do estabelecimento do vínculo afetivo de cumplicidade entre o acompanhado e eu, entre mim e a família, o próximo passo é a identificação, por meio da observação atenta e sensível, de quais são os potenciais e desafios dos acompanhados, além de como (utilizando ferramentas colaborativas – de cocriação) criarmos planos de ações para que os sonhos e ideias se tornem realidade. Isso pode ressignificar as sinas dos processos relacionados à aquisição da compreensão do valor da autorresponsabilidade, do compromisso ético entre sentimento, pensamento, palavra, ação, da autonomia e da disciplina.

Qual a principal mensagem que você quer passar para os adolescentes? Acredito muito mais em ofertar um lugar afetivo de compreensão sobre os processos que eles acabam vivendo do que efetivamente passar uma mensagem a eles. Porém, obviamente eu passo, não tem como. Só a minha presença, por si, já traz muitas notícias. E é aí, justamente, que está o cerne da questão. A molecada é sagaz em identificar as incoerências de qualquer adulto na posição de autoridade. Eles nos provocam porque, de algum modo, nos revelam, a todo o instante, a nossa própria falta de clareza. Costumamos falar uma coisa e agir completamente diferente. Imagine o sentir, então! Esta é uma das premissas do meu trabalho: o compromisso ético com a sinceridade na relação estabelecida. Sair desta condição de super educador e reconhecer que eu também erro. Sou constantemente convidado a me observar e a rever o que é coerente para mim, ou seja, o que está consoante com aquilo que sinto, penso, falo e faço. É um exercício tremendo.

Sua abordagem de educação busca consonância com os valores passados pelos pais a seus filhos?
Uma coisa eu percebo, pela experiência em escolas e em outros projetos educacionais não escolares: os pais e familiares são fundamentais neste trabalho com os jovens. Sem eles, sinto como se estivesse enxugando gelo. Não resolve, efetivamente. Por isso que, anteriormente e durante o processo com a criança ou jovem, o encontro para alinhamento com os pais é crucial. Este é um trabalho que convoca frequentemente a família para reuniões de compreensão e orientação – indispensáveis! Até porque o que acontece com a criança e adolescentes revela algo sistêmico das relações da própria família. Não consigo compreender o jovem como um ser apartado e isolado; pelo contrário, ele, muitas vezes, carrega em si mesmo “chaves” muito importantes para o entendimento da dinâmica familiar e de toda a sua herança ancestral.

Quais são suas técnicas de ensino em um mundo no qual o respeito aos pais, avós, aos professores e mais velhos parece, em muitos casos, assumir o segundo plano em nossa sociedade?
Esse é um processo tão crônico, complexo, e que se arrasta por tanto tempo… Portanto, não ouso “inventar a roda”, mas o importante é ressaltar que existem outros tantos projetos de impacto social na educação esperando para serem vistos. Isto é importante. Outro ponto que trago é que, casos de desrespeito aos professores, por exemplo, refletem a necessidade de repensarmos profundamente quais sementes temos plantado; o que essas situações revelam do nosso modelo de sociedade; o que é autoridade; como ser legítimo na autoridade. Que tempo é esse onde as qualidades de presença se esvaziam a todo instante e enchem as redes sociais? Não nos vemos mais, não temos mais tempo para escutar o outro verdadeiramente. Estamos perdendo nossa habilidade de sermos humanos, de nos ouvir como espécie. O reflexo são estas distorções de valores; o ter se sobrepõe ao ser. Estamos atolados pela voracidade imagética, materialista e de consumo que impactam a ética e a moral de todos. Diante disso, o que posso oferecer é a pausa, muito mais do qualquer técnica. Tempo de parar para se abrir, para sentir a mim e ao outro, cessar os excessos de emissão de opinião, julgamento e de trabalho, para que consiga perceber quais sentimentos, rancores, desilusões percorrem o ser e como estão as reações a tudo isso. Faço um convite à reinvenção das relações a partir da escuta empática, um trabalho de autodesenvolvimento e autotransformação. Antes de tudo, é preciso compreender que maturidade não é algo dado, e sim adquirido por meio de processos que envolvem complexas relações sociais de qualquer ser humano para a vida inteira, não apenas da criança; experiências significativas de transformação que abrangem sempre o binômio liberdade-responsabilidade.

Bate papo com André Aly Dia 16 de agosto as 7h30, no WeWork Alphaville. Para mais informações, envie um e-mail para contato@vivasa.com.br