Com uma tradição consanguínea de mais de 100 anos de história, tendo com o fio de prata que liga todas as gerações, o golfe, esta família ratifica o que este esporte tem de melhor, que é a possibilidade de ser praticado em todas as idades.
O golfe foi o elo natural de um DNA esportivo, que abraçou sempre a família. De pai para filho, ao longo deste tempo todo. Atletismo, ciclismo, natação, hóquei, foram alguns dos esportes bem praticados como o golfe, mas somente o jogo de golfe permitiu parcerias de gerações diferentes, como a história real que vou comentar a seguir, de um torneio em dupla de avô e neto.
Associados de um dos melhores clubes de golfe do país, que anualmente tem um torneio interno tradicional, de duplas na modalidade match play por handicap. Este torneio idealizado e organizado pelo incansável Wagner, por muito tempo, tem sido a oportunidade de juntar jogadores de níveis diferentes de handicaps e idades, e se tornou uma festa, porque durante quase oito meses todos os associados de alguma forma acompanham os jogos, quer fisicamente no campo ou pelo placar que fica o tempo todo exposto na mídia interna ou filmado pelo Bob, o repórter da “sexta nobre” que hospeda este evento.
Neste ano de 2024, a tradição foi mais uma vez confirmada, tendo como atração, a dupla do meu amigo Manuel, de 73 anos de idade, há muitas décadas um jogador Scratch, que já foi campeão sênior no Brasil e em Portugal no mesmo ano, e seu neto Gabriel de 10 anos de idade, que nos dois últimos tem se dedicado muito ao esporte. Mesmo tendo pai e mãe golfistas de primeira grandeza, sua paixão pelo esporte parece superar o DNA recebido. O avô sabia desde o primeiro momento, que a dupla com o neto, exigia todo cuidado possível, para não gerar expectativas frustrantes ao menino.
De um lado, fez com que o avô treinasse muito antes e durante o torneio, uma vez que a modalidade match play dava dois pontos por buraco, um pela melhor bola e o outro pela soma dos resultados dos parceiros. Ele precisava jogar bem para garantir pelo menos o ponto da melhor bola e deixar o neto mais tranquilo. Havia uma preocupação adicional do avô, que era a saída pelo tee verde, destinado aos adultos, o que transformava o campo muito maior para o neto que estava acostumado a jogar os torneios para kids num campo muito menor.
Se o avô treinava muito, para não decepcionar o neto, este a cada confronto demonstrava uma tranquilidade pouco comum aos jogadores amadores em todos os torneios. Cada vitória conseguia mais pressão em cima do avô, uma vez que o neto já estava para lá de feliz em estar jogando em parceria com o avô e de quebra vencendo. Para surpresa geral no clube, ficaram para a final do torneio, e passaram a ter toda a torcida a favor deles. Na semana que antecedeu a final, realizada no sábado de 04 de outubro, segundo alguns sócios do clube, o avô só não treinou à noite, porque o campo não era iluminado.
Brincadeira à parte, avô e neto treinaram muito durante a semana. A tática básica que eles adotaram em todo o torneio, era o avô cuidando do oponente de melhor handicap e o neto deveria ficar colado no oponente de handicap mais alto, simplesmente isto. Na partida final a tática teria que ser modificada, uma vez que enfrentaria dois scratches, um de handicap 3 e o outro de handicap 9, sendo o avô 6 e o neto 20 de handicap, precisavam jogar bem. O nervosismo ficou claro na saída, o avô que costuma fazer par ou birdie no primeiro buraco, fez um double boggie, e saíram perdendo de 2 pontos.
Mas parece que foi bom, pois a adrenalina a partir do segundo buraco baixou sensivelmente, o que levou a dupla do avô e o neto estar 4 pontos à frente no buraco 8. Mas voltaram a dar uma desandada no buraco 9, quando o avô e o neto fizeram double e um triplo boogie, respectivamente. Mas como tinham uma poupança acabaram passando a primeira ganhando 2 pontos (2 up).
Terminaram os buracos 10, 11 e 12, zerados em pontos, portanto avô e neto ainda tinham 2 up. Os buracos 13 e 14, eram o grande desafio para a dupla 5ª. Geração, o primeiro um par cinco, cuja distância penalizava o neto de 10 anos. Mas quiseram os Deuses do golfe, que o avô batesse um excepcional drive, e uma madeira 3 tão boa quanto, que o segundo tiro passou o green, deixando a bola na subida de uma banca de grama, num green em descida. Mesmo o avô sendo um scratch, decidiu vestir as sandálias da humildade, optando por jogar um putter ao invés de um sand wedge.
As pessoas que acompanhavam o jogo, estranharam a opção, mas o resultado calou a todos uma vez que o avô acabou fazendo um birdie. Mesmo com a dupla adversária fazendo um birdie cada um, ganharão somente um ponto naquele buraco. A estratégia conservadora adotada para o temido buraco 14, funcionou tão bem que avô e neto fizeram mais 2 pontos. Foram tão tranquilos para o buraco 15, que acabaram fazendo mais 2 pontos, ficando com 5 pontos (5 up) à frente, faltando somente 3 buracos a jogar. Eu que estava acompanhando o jogo de casa, graças a minha amiga Nau, que mandava notícias em tempo real pelo whatsapp, já tinha baixado a minha ansiedade de amigo torcedor, achando que o jogo acabaria no buraco 16 um par 3 que o avô sempre jogava bem.
Mas para dar um pouco mais de suspense e aumentar a adrenalina da disputa, acabaram perdendo o buraco em 2 pontos, por puro nervosismo do avô principalmente. Foram para o buraco 17 precisando de um empate somente, mas com um grande desafio por ser um buraco de par 5 de mais de 600 jardas que penalizava o neto, mas o destino praticamente foi selado quando a adversário de handicap 9 bateu o seu drive na água, o que já dava um sinal de que dificilmente perdem o ponto referente a soma dos resultados naquele buraco, mas todo o cuidado era pouco.
E aí a garra e gana do avô falou mais alto, que chegou na orelha do neto, para forçar ele a se concentrar ao máximo, e retirar qualquer soberba por achar que já estava ganho. Mas o neto entendeu bem o recado, e jogou muito tranquilamente, chegando em 4 tacadas no centro do green, o que já dava quase por garantido o resultado.
Mas o avô que a esta altura estava bem mais nervoso do que de costume, acabou batendo um ferro 9 um pouco forte demais no terceiro tiro, passando bem o buraco e ficando com um pequeno morrinho a sua frente, e aí para o estranhamento geral da multidão que cercava o buraco para ver o final do jogo, quase todos os sócios que estavam no clube naquele dia estavam ali, o avô pegou novamente um putter como se fosse um handicap acima de 18, rolou a bola deixando que ficou a 3 metros do buraco, o que liquidava o jogo com duas tacadas.
Mas como manda o figurino da elegância no golfe, até por sugestão do adversário de menor handicap, que é um gentleman, deixaram o garoto dar a tacada que liquidou o torneio. Como o meu amigo me confidenciou este foi um dos melhores momentos da sua longa carreira de golfista!
Viva o Golfe!